Ao trilhar o caminho midiático, a fotografia evidenciou sua identidade para além do reconhecimento como instrumento a serviço da ciência ou uma nova técnica de auxílio às artes visuais. Embora seja possível, obviamente, considerá-la um meio de comunicação desde seu surgimento – afinal, toda fotografia é forma de expressão e portadora de significados –, seu entendimento como mídia, isto é, como um vetor das tecnologias e instituições da comunicação de massa (LIMA, 2012), parece situá-la em outro campo de discussão.
De certa forma, foi pela via midiática que a fotografia passou a exigir abordagens para além daquelas amparadas por um discurso "fetichista" e "antitécnico" sobre o entendimento do que seria uma arte legítima, que, segundo Walter Benjamin (1994, p. 92), ocorria sob a tentativa de "justificar a fotografia pelo mesmo tribunal que ela havia derrubado". Frente à realidade midiática que se instalava nas primeiras décadas do século passado, esse importante autor reconheceu um novo cenário de negociações em seu clássico texto “A Obra de Arte na era de sua reprodutibilidade técnica” (1994), redigido originalmente entre 1935 e 1936. Nessa obra, Benjamin realizou uma engenhosa leitura do contexto imagético-midiático de seu tempo, consolidando conceitos que ainda se mantêm como importantes aportes para se pensar modelos teóricos e interpretativos nos dias de hoje. Torna-se fundamental, e até obrigatório, retomá-los, quando se tem por objetivo explorar a dimensão midiática na construção identitária da fotografia.
Partindo do reconhecimento do advento da tecnologia fotográfica como agente de reprodução automatizada, Benjamin (p. 167-172) apontava a possibilidade de um abalo na autenticidade da obra de arte, que, uma vez reproduzida com grande fidelidade e disponibilizada ao grande público, perderia a sua "aura", o seu "aqui e agora". Nesse "movimento de massa", a existência única da obra é substituída por uma existência seriada, o que, para o autor, representaria uma instabilidade de sua autoridade, de seu "peso tradicional", substituindo o seu "valor de culto" por um "valor de exposição". Para o autor, "no momento em que o critério da autenticidade deixa de aplicar-se à produção artística, toda a função social da arte se transforma" (p. 171). Se o "valor de culto" seria determinado a partir de um "modo de ser aurático" da obra de arte, que a inscrevia em práticas ritualísticas da tradição (do culto do belo, da magia ou religião), o "valor de exposição" corresponderia ao caráter serial da reprodutibilidade técnica, que garantiria a sua permeabilidade social, deslocando-a do ritual para outra prática, a política.
A dupla virada proposta pelo autor, do culto à exposição e do ritual à política, desenhava os fundamentos dos meios de comunicação de massa, que se estabeleceram como pano de fundo para a crescente participação da imagem na vida cotidiana. Realçava, por isso, a importância da fotografia como técnica inauguradora de um novo contexto de refuncionalização da arte, que só foi possível, podemos afirmar, a partir dessa simbiose entre a nova técnica e o sistema midiático em ascensão. "A obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma obra de arte criada para ser reproduzida" (p. 171): a afirmação traz à tona um ambiente fortemente regido pela busca de visibilidade, em que o "valor de exposição" se torna parâmetro obrigatório, haja vista a sempre presente grande escala de recepção do público.
Isso nos leva a perceber essa funcionalidade de difusão em massa não somente em relação ao cinema – que é o agente protagonista da reflexão de Benjamin, que chega a afirmá-lo como uma "criação da coletividade" (p. 172) –, mas também em outras mídias, sobretudo aquelas em que a fotografia também se fazia presente, tal como ocorria, por exemplo, nas revistas ilustradas da época. Cabe relembrar a efervescência artístico-cultural da República de Weimar, entre os anos de 1918 e 1933, momento de grande notoriedade para publicações como Berliner Ilustrirte Zeitung, Munchner Illustrirte Presse e Arbeiter Illustrierte Zeitung, o que se comprovava pelas tiragens de cerca de cinco milhões de exemplares e audiência estimada em 20 milhões de pessoas (SOUSA, 2004, p. 72). Seriam essas revistas a influência para o surgimento de produções similares em outros países, que partiram da mesma fórmula de assumir esse "valor de exposição", como a Vu e Regards, respectivamente lançadas em 1928 e 1931, na França, sem esquecermos, é claro, da revista Life, nos Estados Unidos, em 1936, e O Cruzeiro, no Brasil, em 1928. As revistas seriam portadoras de características que permitiriam a possibilidade de reunir os vários usos fotográficos que se davam ali, como uma forma de expressão da sobrevalorização da visibilidade como eixo de percepção e leitura da modernidade. Teríamos, assim, uma fotografia midiática, classificação que vem a ser útil não somente para se fazer notar a dimensão comunicacional da fotografia – ou seja, a sua atuação como mídia e a serviço de outras mídias –, mas também para confrontar a ideia de uma fotografia entendida como "arte pura, que não rejeita apenas toda função social, mas também qualquer determinação objetiva" (BENJAMIN, 1994, p. 171).
Mas o panorama de relações que foi mapeado por Benjamin na década de 1930, e que nos permite caracterizar a fotografia midiática, ainda não levava em conta a forte influência que a TV passaria a ter sobre esse cenário. Mesmo que tenha dado os seus primeiros passos na década de 1920, seria entre os anos 50 e 70 que a TV consolidaria sua centralidade para estabelecer os padrões de produção e consumo de imagens, alterando significativamente o espaço de circulação da fotografia midiática. Como bem destaca Dulcília Buitoni,
a década de 1960 viu a ampliação do domínio da televisão, com o decréscimo das revistas ilustradas. Em 1972, foi suspensa a publicação semanal de “Life”. Em 1978, reiniciou-se a revista, desta vez com periodicidade mensal. Na Europa, ocorria o mesmo fenômeno. A revista “Paris-Match”, de 1949, vendia 1,8 milhões de exemplares em 1957 e, em 1972, sua tiragem era pouco mais de 800 mil exemplares (2011, p. 78).
"Para as revistas, ela tinha se tornado uma formidável rival", afirma Freund (2010, p. 145), que não só reconhecia a transmissão ao vivo como uma componente inédita e impossível de ser combatida, como também, e principalmente, o seu apelo para atrair anunciantes publicitários para uma enorme audiência. No caso do Brasil, sempre é oportuno relembrar que o impacto da TV, sobretudo a colorida na década de 1970, além de atingir as receitas de revistas como O Cruzeiro, encerrada em 1975, e Realidade, que circulou entre 1966 e 1976 – notórios espaços de veiculação de grandes fotorreportagens –, fez surgir publicações semanais como Contigo (1963) e consagrou revistas como Caras (1995), cujos conteúdos eram suplantados basicamente por reportagens a respeito do universo televisivo (principalmente as telenovelas) e suas celebridades. Esses dados evidenciam a centralidade da TV como estrutura e cultura midiáticas nas últimas décadas do século passado.
A transmissão para a tela se mostrava muito mais eficiente para o consumo de imagens, sobretudo pelo fato de que toda televisão tendia a ocupar uma posição estratégica nos lares. Acolhida como uma central midiática de contínuo acesso à informação e ao entretenimento, sua inserção no fluxo de atividades do cotidiano a tornava menos exigente de atenção e dedicação que o entrelace de texto e imagem nas revistas impressas, ao mesmo tempo em que propulsionava o "valor de exposição" inerente ao contexto das mídias visuais.
Algumas décadas à frente, com a expansão do acesso à internet e o alargamento do universo digital para diversos setores da vida, o uso da tela superaria a égide televisiva (ou mesmo cinematográfica) e passaria a fomentar uma crescente aproximação entre informação e entretenimento. O arremate desse processo se deu pelos atuais smartphones, que, dotados de reais portabilidade e mobilidade, expandiram a operação de interfaceamento entre as esferas do público e do privado para muito além daquela imersão televisiva na intimidade dos lares. Uma tela menor, porém mais invasiva e com maior acento na centralidade midiática, passa a ocupar não mais o centro da casa (a sala de TV para reunir a família), mas todos os lugares, tornando possível a cada usuário ser um centro ambulante não somente de acesso a tudo e a todos, mas também de produção de conteúdo.
Se no universo da tela da TV, a prática fotográfica não encontrava viabilidade técnica para o exercício de sua especificidade como mídia, no universo da internet, mais precisamente no espaço das telas portáteis dos smartphones, sua presença parece ser essencialmente obrigatória, sobretudo tendo-se em vista as atuais dinâmicas de mídias sociais, que se mostram como verdadeiras redes de imagem, principalmente as que priorizam um processo comunicacional através de fotografia e vídeo, tal como observamos no Instagram, Snapchat ou TikTok. O fato de ser praticamente impossível imaginar a viabilidade comercial de um dispositivo desses sem uma câmera em sua estrutura – é notável como a publicidade para a venda de smartphones explora a tecnologia fotográfica como o principal atrativo – se deve justamente ao reconhecimento do papel fundante da fotografia na estruturação da comunicação midiática baseada na visualidade.
Se antes era possível notar uma diminuição de seus canais de transmissão – visto que muitas das mídias pelas quais a fotografia circulava estavam sob um processo de rarefação ocasionado pela ubiquidade das telas televisivas –, essa revigoração midiática pelas câmeras conectadas acaba também dando à fotografia uma condição televisual. Afinal, em certa medida, a TV pode ser considerada a precursora das mídias sociais que se baseiam no uso de imagens, pois um dos seus principais atributos sempre foi justamente o potencial para a criação de uma rede sincronizada de espectadores em torno de importantes eventos, sejam eles transmitidos ao vivo ou não. É bem verdade que a capacidade da TV para mobilizar "audiências esmagadoramente grandes", com o "poder de modelar a memória coletiva, assim como integrar e reorganizar sociedades inteiras em torno de um mito ou de uma vontade coletiva" (MACHADO, 2005, p. 139), se dava através de uma um fluxo unidirecional, com a transmissão da informação sob o controle de poucos centros emissores. Um fluxo que, como sabemos, foi significativamente alterado pelo ambiente das mídias sociais, em que imagens podem ser produzidas e transmitidas não mais somente por um único ponto irradiador, mas por inúmeros, possibilitando a essas "telefotografias" audiências até maiores do que aquelas obtidas pelas mídias impressas. Em síntese: ainda que tenha sido possível alçar a fotografia à condição de mídia, sua transmissão e circulação dependia fortemente de outras mídias; hoje, dada a sua exigida presença nas pequenas telas e sua força atrativa e decisiva nas dinâmicas das mídias sociais, propomos notar que a fotografia passa a ter uma certa autonomia midiática. Afinal, não seria forçoso afirmar, por exemplo, que o Instagram, mesmo com o total controle algorítmico sobre seu funcionamento, depende muito mais de uma lógica midiática da fotografia do que o contrário.
Nessa configuração, a fotografia obtém a condição necessária para reposicionar o seu potencial político, uma vez que, conforme afirma Afonso Júnior, ela "adquire um pertencimento simbólico pela visibilidade instantânea. No seu uso popular, cotidiano e vernacular, não faz muito sentido fotografar e não circular a imagem" (2021, p. 116). Para o autor, a fotografia enquanto prática social apresenta como lógica de uso a "não dissociação entre o ato de produzir e o ato de compartilhar imediatamente as imagens que retratam a vivência cotidiana dos seus usuários” (p. 117), o que nos leva a um contexto de intensa produção e circulação. A esse respeito, Beiguelman observa que,
despejadas aos quaquilhões de bytes por segundo na internet, as imagens do século XXI tornam-se também espaços de sociabilidade. No YouTube, no Instagram, no TikTok ou no que vier, outros regimes estéticos fluem. Não são os regimes consolidados nas escolas de cinema e de artes e rompem os cânones de estilo e mercado. Todo um outro paradigma de consumo e produção está se montando e evidenciando que as imagens deixaram de ser planos emolduráveis [...] o protagonista dessa história é o celular dotado de câmera e com acesso à internet. Foi ele o responsável por converter a câmera de dispositivo de captação em um dispositivo de projeção do sujeito (2021, p. 32-33).
A passagem pontua dois importantes aspectos sobre essa abundância imagética provocada pelas câmeras em rede: o rompimento com parâmetros consolidados nas artes e a sua caracterização como dispositivos para projeção de subjetividades. A princípio, essas consequências poderiam ser entendidas como um acento no potencial político das imagens, pois arrematam, de maneira inequívoca, os prognósticos de Benjamin acerca da revisão da função social da arte que foi promovida pela lógica da reprodutibilidade técnica. Afinal, tanto a despretensão artística dessas imagens contemporâneas como a possibilidade de personificações projetadas e circuladas nas telas evidenciam um refinamento tecnológico para a instrumentalização política da fotografia, agora mais entranhada aos embates e debates midiatizados. No entanto, devemos também nos perguntar em que medida não haveria aí uma sobrevalorização do "valor de exposição" notado por Benjamin, a ponto de destituir também a "aura" da própria vida cotidiana e de seus sujeitos. Pois o reconhecimento do "aqui e agora" da realidade concreta é fundamental para garantir que essa sociabilidade promovida pelas imagens conectadas tenha as suas eficiências dialógica e política também projetadas para além das telas.
Da fotografia como agente midiatizadora na era da reprodutibilidade técnica para a fotografia na era de sua própria autonomia midiática, temos um caminho que permitiu não só evidenciar o falso debate sobre um confronto entre uma subjetividade criativa (arte) e uma objetividade normativa (ciência) a respeito de sua constituição identitária, mas também adquirir uma condição suficiente para fazer emergir, com furor, seu protagonismo no universo das mídias visuais, refletindo sua posição seminal para a estruturação e manutenção desse mesmo ambiente.
Wagner Souza e Silva
Professor e pesquisador da Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo (ECA/USP).
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REFERÊNCIAS
BEIGUELMAN, Giselle. Políticas da imagem: vigilância e resistência na dadosfera. São Paulo: Ubu Editora, 2021.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 165-196.
BUITONI, Dulcília Schroeder. Fotografia e jornalismo: a informação pela imagem. São Paulo: Saraiva, 2011.
FREUND, Gisèle. Fotografia e sociedade. Lisboa: Nova Vega, 2010.
LIMA, Venício A. de. Mídia: teoria e política. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2012.
MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. São Paulo: Senac, 2005.
AFONSO JÚNIOR, José. Instantâneos da fotografia contemporânea. Curitiba: Appris, 2021.
SOUSA, Jorge Pedro de. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Chapecó: Argos; Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004.