Quem faz um livro inventa um lugar impresso, e é por ali que segue.
Waltércio Caldas1
O livro tem sido utilizado como recurso de formatação de séries e ensaios fotográficos desde o final do século XIX. Um tema que pode ser encontrado com frequência em fotolivros e fotozines – e na história da fotografia, de modo geral – é o espaço público urbano. Por meio de trabalhos autorais e documentais e de desenhos gráficos experimentais, artistas, fotógrafos/as, designers e editores/as são capazes de estabelecer variadas relações de significado entre as áreas geográficas de uso comum e as realidades sociais que as circundam.
Um bom caminho para começar a compreender a capacidade que os fotolivros têm de reimaginar as interações sociais nos espaços públicos é aproximar as características identitárias que compõem o formato livro daquelas que constituem o tecido urbano da cidade. Ocupada por imagens fotográficas, a página do livro baseia a enunciação de territórios múltiplos – materiais, espaciais, imagéticos, simbólicos, poéticos, entre muitos outros. Assim como nas superfícies gravadas por manchas, ranhuras, rabiscos e pixo das construções que compõem os grandes centros urbanos, as páginas do livro carregam camadas históricas de diferentes origens – do conteúdo impresso às marcas de manuseio; do material de confecção à deterioração causada pelo tempo.
Na fotografia contemporânea, o suporte – ou a superfície – onde ela se inscreve nem sempre tem propriedades materiais tateáveis. Enquanto a fotografia analógica, inventada no século XIX, é baseada na gravação de imagens visuais em películas e papéis fotossensíveis, o local de inscrição mais comum da fotografia em 2020 são as telas de computadores, os tablets e os smartphones. Com a popularização dos dispositivos digitais, as últimas décadas viram nascer a imagem desterritorializada, que está simultaneamente em todos os lugares e em lugar nenhum. A câmera digital está na mão de cada vez mais pessoas, que, por sua vez, produzem e compartilham cada vez mais imagens. Os meios digitais foram responsáveis também por fornecer aos/às usuários/as das câmeras fotográficas ferramentas de edição e manipulação de imagens cada vez mais complexas, capazes de criar ficções que se assemelham a registros documentais.
Autores/as interessados/as em explorar a materialidade dos espaços públicos em fotolivros e fotozines fazem das superfícies das cidades a sua ferramenta de escrita. Na página, a imagem fotográfica, tenha sido concebida originalmente em meio digital ou analógico, ganha textura, dimensão e contexto. Ela passa então a ocupar um território de técnicas e materiais específicos, ainda que este possa ser explorado e compreendido de múltiplas formas a depender da bagagem cultural e sociocognitiva que o/a leitor/a carrega consigo.
O manuseio e a leitura de um fotolivro, similarmente à caminhada, convidam à prática do lugar, isto é, à significação do espaço a partir da experiência2. Suas propriedades materiais configuram espaços a serem explorados com o tato, a visão e o olfato, ao passo que o encadeamento de imagens indica direções de percurso-leitura. Na perspectiva de que o/a leitor/a habita os territórios dos fotolivros, os limites das páginas são análogos ao alcance do olhar. Quando uma fotografia sangra pelas bordas, cabe à imaginação completar a imagem que se forma na extrapolação da área impressa. Convencionalmente, o sentido de leitura é planejado linearmente da capa à contracapa, da esquerda para a direita, mas é possível que o/a leitor/a crie os seus próprios trajetos e percorra a publicação de modo errático, indo e voltando entre as páginas; na contramão, iniciando a leitura pelas páginas finais; ou de forma trôpega, saltando páginas acidentalmente. Algumas pessoas passeiam rapidamente pelas imagens, sem grande interesse em decodificá-las, enquanto outras contemplam a vista com menos pressa e buscam mergulhar nas profundidades conceituais da página dupla.
No premiado fotolivro ZZYZX (2016), o fotógrafo estadunidense Gregory Halpern (1977) parece tecer uma crítica ao "sonho americano" ao propor uma viagem por regiões da Califórnia, partindo do deserto, região presente nas imagens áridas e solares que dão partida à sequência fotográfica do livro, até chegar ao oceano pacífico, visto nas fotografias noturnas das páginas finais3. Ao longo de 128 páginas, o autor recorre à associação entre fotografias de paisagens em chamas, objetos abandonados ou semidestruídos e pessoas vulneráveis ou em situação de rua. As imagens, todas verticais e diagramadas em página única, são apresentadas com bordas brancas e dimensões idênticas umas às outras.
ZZYZX (2016), de Gregory Halpern.
Vídeo de Unobtainium Photobooks.
Conforme as páginas de ZZYZX avançam, as paisagens e os objetos em evidência parecem se conectar cada vez mais intimamente com as figuras humanas. Ainda assim, não há respostas fáceis sobre as intenções do autor ao relacioná-los por meio de justaposições e sequenciamentos. A única informação sobre as fotografias presente no livro é que elas foram feitas nos arredores de Los Angeles, salvo algumas poucas exceções. Mesmo organizadas em uma mesma estrutura narrativa, as imagens são ruidosas e misteriosas e permitem uma vasta gama de interpretações.
Vale destacar que nos fotolivros, diferentemente do que acontece no cinema e em outras produções audiovisuais, o tempo de observação das imagens é definido pelo/a espectador/a. É possível, por exemplo, que o/a leitor/a prolongue a estadia em uma das imagens apresentadas por Halpern, de modo a fazer uma pausa para descanso e/ou contemplação na viagem imagética proposta pelo autor. Nessa perspectiva, folhear o livro de trás para frente corresponde à experiência da viagem de volta – do oceano ao deserto, da noite para o dia.
O convite ao toque é outro aspecto dos fotolivros que pode ser pensado conceitualmente. A página, em seu formato mais usual, “estabelece uma escala adaptada para as mãos, para ser manipulada, dobrada, fechada sobre si mesma. Por vezes, uma página esquecida ao ser aberta revela novamente seu amplo território”4. Fotolivros com diferentes formatos convidam a diferentes modos de folhear. A depender de como as páginas são sobrepostas, o movimento das mãos requerido para a leitura evoca gestos de descobrimento, de escavação, de mergulho, de destruição, entre vários outros.
Nimbus (2016), de Elaine Pessoa (1968), por exemplo, apresenta “uma atmosfera do fantástico, adornada pelo acúmulo cinzento da poeira do tempo”5. O fotolivro possui páginas em dobra francesa, com fotografias em preto e branco altamente granuladas, quase abstratas, de paisagens bucólicas escondidas em suas faces interiores, de modo que o/a leitor/a sinta-se instigado/a a descortinar os seus segredos. A existência de imagens ocultas é sugerida sutilmente pela transparência do papel bíblia, material de baixa gramatura que baseia o miolo da publicação. Para visualizá-las, é necessário flexionar os extremos das folhas ou então rasgá-las.
Nimbus (2016), de Elaine Pessoa.
Vídeo da editora.
Para o fotógrafo e designer Fábio Messias (1980), responsável pelo projeto gráfico de Nimbus, desenhar um fotolivro é como esculpir um objeto6. É dele também o projeto gráfico de Tropeço (2017), de Mario Lalau (1978), fotolivro que reúne fotografias de rua tiradas em diferentes localidades do mundo. As páginas da publicação são pôsteres soltos com vinco central, o que possibilita ao/à leitor/a alterar a sequência da paginação e até mesmo a capa. Por meio de seu formato interativo, Tropeço oferece uma sensação de deriva semelhante à experimentada pelo autor durante a criação das imagens. Em maior escopo, o título propõe uma experiência estética que confronta a ideia do fotolivro como espaço de ordenação de séries fotográficas.
Alinhados conceitualmente aos motivos dos conjuntos fotográficos, os materiais que dão corpo aos bons fotolivros não atuam como meros suportes: eles se tornam a própria obra. Por meio do tato e da visão, o/a leitor/a percorre a vastidão das imagens texturizadas em diferentes tipos de papel, plástico, tecido, entre outros materiais. A materialidade das páginas imprime diferentes valores e sentidos às imagens fotográficas que ocupam os seus territórios, assim como o inverso também se aplica. Em The cars (2015), de Wolfgang Tillmans (1968), por exemplo, as páginas lisas e brilhantes em papel couché reforçam as características táteis e visuais das latarias dos carros fotografados. Já em Atrito (2014), livro-objeto de Daniel Justi (1981) sobre a relação de skatistas com os espaços públicos da cidade de São Paulo, a textura de lixa presente na capa não apenas evoca a materialidade dos shapes de skate, como também traduz, por meio da sensação do toque, o título da publicação.
Atrito (2014), de Daniel Justi.
Ao aplicar o conceito de "dupla-objetividade" de Edmund Husserl às fotografias impressas, Bettina Lockemann (1971) distingue a “imagem física” do “objeto-imagem”7. A primeira é formada pelo papel fotográfico, que pode ser visto, tocado, cheirado e manipulado livremente pelo/a espectador/a. O segundo é fisicamente ausente e pode ser percebido apenas pelo sentido visual, em perspectiva bidimensional única, a do/a fotógrafo/a; desse modo, ele carrega a “característica da irrealidade”8. Ao contrário do material em que é impresso, o objeto-imagem não envelhece ou quebra; ele é um recorte do espaço e do tempo que tende à ambiguidade. No âmbito dos fotolivros, as propriedades materiais da imagem fotográfica, a sua relação com os demais elementos impressos e o contexto geral na qual ela está inserida – título, autor/a, editora, ano e local de publicação – favorecem a criação de sentido. Há obras que buscam complementar, ou até mesmo explicar, as fotografias com legendas, descrições e sinopses, ao passo que outras, mais experimentais, abrem mão desses recursos por completo para estimular leituras e interpretações mais variadas.
A reimaginação do espaço público em fotolivros dedicados a investigá-lo se dá de muitas formas e em muitas etapas. É sabido que a fotografia prevê, já em sua criação, algum nível de interpretação da realidade. Diferentes câmeras e lentes ópticas são capazes de retratar um mesmo espaço com resultados altamente distintos. O artista e escritor espanhol Joan Fontcuberta (1955) defende que a tentativa de documentar a “realidade viva” por meio da fotografia está destinada ao fracasso, pois “somente enganando podemos alcançar certa verdade, somente com uma simulação consciente nos aproximamos de uma representação epistemologicamente satisfatória”.9 Nas mãos de fotógrafos/as, artistas e editores/as, os dispositivos fotográficos se transformam em ferramentas de escrita e de criação espacial.
Nas décadas de 1960 e 1970, o artista estadunidense Ed Ruscha (1937), frequentemente associado ao Pop Art, produziu dezoito pequenos livros de fotografias. Autopublicados em pequenas tiragens, os títulos se tornaram referências na história da arte conceitual e do livro fotográfico autoral. Em Every building on the Sunset Strip (1966), Ruscha volta-se à área de entretenimento da Sunset Boulevard, na cidade de Los Angeles, Estados Unidos. O formato de sanfona do fotolivro permite a apresentação de todas as fotografias dos edifícios da região em uma mesma página. Para produzir as imagens, o artista utilizou uma câmera fotográfica motorizada de pequeno formato acoplada ao teto de um carro. Após reveladas, ele cortou e montou as fotos lado a lado, reunindo-as em uma página de sete metros e meio. Cada lado da rua é apresentado em uma longa faixa, com as duas tiras justapostas ao longo de todo o comprimento da dobra. Em 1973, Ruscha repetiu o mesmo processo de documentação, dessa vez na área Hollywood Boulevard, e, em 2004, refez de carro e fotografou o mesmo percurso, resultando em Then and now: Hollywood Boulevard, 1973-2004 (2005). Na obra, a passagem do tempo pode ser percebida por meio das novas fachadas, árvores e configurações arquitetônicas da rua.
Every building on the Sunset Strip (1966), de Ed Ruscha.
(Foto: site Auction.fr)
Mais interessado em ações humanas do que em formas e vestígios urbanos, Document Kouen (1980), do fotógrafo japonês Kohei Yoshiyuki (1946), apresenta uma série de imagens criadas às escondidas de encontros sexuais noturnos em parques públicos de Tóquio. Portando apenas uma câmera de 35 mm e filme infravermelho, Yoshiyuki registrou uma comunidade secreta de amantes e voyeurs escondida em meio a arbustos. Com imagens de figuras humanas que remetem a animais selvagens fotografados durante safaris, a publicação “captura perfeitamente a solidão, a tristeza e o desespero que tantas vezes acompanham as relações sexuais ou humanas em uma metrópole grande e difícil como Tóquio”.10
Document Kouen (1980), de Kohei Yoshiyuki.
(Fotos: site da Amazon)
Desde o começo do século XXI, artistas visuais de diversas nacionalidades, como Andreas Gursky (1955), Wolfgang Tillmans (1968), Alec Soth (1969), Betsy Karel (1946) e Gabriel Orozco (1962), entre outros, têm explorado a constituição material e poética do espaço público com atenção à desigualdade social, ao urbanismo excludente e à gentrificação por meio da fotografia de cenas e objetos cotidianos nesses espaços. Entre tais obras, Centro (2014), do fotógrafo paulista Felipe Russo (1979), possibilita outra vivência de um grande centro urbano a partir do detalhe, do vazio, do silêncio, do mundano e de pequenos gestos transformativos de intervenção sobre a superfície da cidade. Em entrevista à Revista Zum11, Felipe Russo afirma que seu objetivo com a investigação do centro de São Paulo a partir da fotografia é aproximar escalas distintas de observação, desconstruindo hierarquias de importância do espaço construído. Segundo o fotógrafo, os objetos e espaços fotografados aludem a questões históricas e sociais ora muito particulares a São Paulo, ora típicas de qualquer grande centro urbano, “como monumentos que celebram o efêmero e apontam a existência de uma energia latente de transformação”. Russo afirma ainda que o ensaio é constituído pela pesquisa do espaço e de sua representação no plano bidimensional da superfície de uma fotografia. Tal esforço, em Centro, resulta em um trabalho marcado por fotografias contemplativas, realizadas com câmeras analógicas de grande formato nas primeiras horas do dia, em que o espaço se apresenta e se identifica por meio da pós-ação. O projeto gráfico do livro, por sua vez, com seus relevos e costura aparente, não apenas complementa a série fotográfica, como é ele próprio aspecto indissociável do sentido da obra.
Centro (2014), de Felipe Russo.
Vídeo do autor.
Em Edificio Recife (2018), Bárbara Wagner (1980) e Benjamin de Burca (1975) apresentam fotografias de esculturas presentes em prédios da capital pernambucana, acompanhadas de depoimentos dos porteiros que convivem diariamente com elas. Idealizadas a partir de uma lei municipal instaurada em 1962 que obrigava a instalação de artes tridimensionais na entrada de grandes edificações, muitas das esculturas acabaram cercadas em espaços residenciais privados com o passar dos anos, tornando-se restritas à contemplação dos/as moradores/as dos edifícios.12 Se inicialmente as obras eram comissionadas a artistas de tradição modernista, a partir dos anos 1990, com a pressão dos setores privados para que os projetos imobiliários fossem concluídos o quanto antes, muitas das esculturas passaram a ser criadas pelas próprias construtoras.13 O fotolivro, publicado pela Ikrek Edições em parceria com a Koenig Books, apresenta 66 fotografias distribuídas ao longo de 160 páginas de 13x21 cm. O formato compacto e vertical da publicação, com encadernação do tipo brochura no extremo superior da página, remete aos blocos de anotações. Eleito em 2018 pela Revista Zum e pela Biblioteca de Fotografia do Instituto Moreira Salles (IMS) como um dos fotolivros de destaque do ano, Edifício Recife impulsiona discussões sobre os direitos da população aos espaços públicos da capital pernambucana. Ao adentrar os enclaves fortificados descobertos pelas páginas, o/a leitor/a vê de perto as esculturas escondidas pelos muros e grades e experimenta a cidade de um modo que não é inteiramente possível fora da virtualidade do livro.
Edifício Recife (2018), de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca.
Assim como há fotolivros interessados em tratar de questões históricas, de conhecimento e interesse comum, há títulos baseados na proximidade e na intimidade de seus/suas autores/as com espaços específicos. De origem alemã, Pferde & autos (2012) – "Cavalos & carros", em tradução livre –, fotolivro autopublicado de Clara Bahlsen, oferece um olhar sobre a vida cotidiana em uma vila rural no norte da Alemanha – local onde a autora cresceu –, em que meninos são comumente presenteados com carros, enquanto meninas ganham cavalos e pôneis. O título aborda temas como tradição familiar e papéis de gênero por meio de 36 fotografias – algumas coloridas, outras em preto e branco – sequenciadas ao longo de 56 páginas. A capa dura forrada com papel prateado remete à lataria dos automóveis, ao passo que a sequência fotográfica que encerra a publicação – automóveis pretos muito semelhantes entre si atravessam uma rodovia, sumindo aos poucos do enquadramento – transmite a sensação de que os carros são instrumentos que possibilitam a exploração do desconhecido, para muito além da zona rural, de onde os cavalos (e suas proprietárias?) raramente saem.
Diferentemente das obras apresentadas anteriormente, em que o olhar direcionado ao espaço público buscava comentar situações e acontecimentos verídicos, há títulos que partem da realidade material das áreas urbanas para construir narrativas inteiramente ficcionais. Em Folie à deux (2019), por exemplo, o fotógrafo e editor brasileiro Felipe Abreu parece questionar as percepções mais comuns atribuídas a certos conjuntos fotográficos ao propor uma narrativa criminal baseada em aparências. Por meio da união de imagens de arquivo, relatos escritos e fotografias criadas pelo autor – em que são vistos um beco vazio e mal iluminado, uma passarela subterrânea, o interior de uma floresta, a fachada de um prédio ao entardecer, entre outros espaços ermos –, o fotolivro constrói um labirinto de pistas falsas envolvendo seis supostos assassinatos. Não consta na publicação a informação de que os crimes não ocorreram de fato, de modo a estimular no/a leitor/a desavisado/a o desejo por solucionar o mistério do encadeamento das imagens. Segundo o autor, um dos objetivos do fotolivro é o de “transportar clichês e códigos do romance policial, do filme noir e detetivesco para uma publicação fotográfica”.14
Em 2021, com o acesso facilitado a ferramentas fotográficas e de edição, as relações entre o livro e a fotografia têm sido exploradas e ressignificadas cotidianamente por fotógrafos/as, artistas e editores/as. Enquanto alguns títulos se alinham a categorias tradicionais, tais como diário, tipologia e fotojornalismo, outros se tornam objetos de interesse justamente por conta de suas imprecisões e especificidades. Para o professor, pesquisador e crítico de Fotografia Ronaldo Entler (1968), ainda que os livros teóricos sejam capazes de "produzir aventuras", eles chegam ao/à leitor/a "minimamente sedimentados”, ou estruturalmente previsíveis, ao passo que os fotolivros configuram terrenos abertos, descontínuos, de categorização difícil.15
Manual (2017), de Wolfgang Tillmans.
Com frequência, perco-me nas páginas de um fotolivro em busca de seus significados. Adentrei o universo materializado em Manual (2007), de Wolfgang Tillmans, em muitas ocasiões. A cada leitura, descubro novas associações possíveis entre as suas imagens, que incluem fotografias de diferentes décadas e localidades, em que são vistas fachadas de edifícios religiosos, composições de natureza morta, manifestações políticas e exposições do próprio artista; scans de cartas, embalagens e artigos jornalísticos; prints de e-mails; abstrações criadas com papel fotossensível, entre outras. Há tanto para ser visto e também para ser lido. Mas sobre o que exatamente é o livro? De quais temas ele trata? O que comunica a justaposição de uma fotografia da pintura Bauernjunge, de Wilhelm Leibl (1844-1900), à imagem de três pirâmides egípcias vistas à distância? Parte do meu fascínio por Manual vem da minha incapacidade de explicá-lo satisfatoriamente. Para compreendê-lo, é preciso adentrá-lo, vivenciá-lo.
Silvino Mendonça
Artista visual, designer e fundador da editora Savant
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NOTAS
1. Trecho do texto L de Livro, de Waltercio Caldas, publicado no site da Revista Serrote. Disponível em <https://www.revistaserrote.com.br/2013/03/l-de-livro/>. Acesso em 30 out 2020.
2. CERTEAU, 2014, p. 164.
3. Em 2016, ZZYZX recebeu o prêmio Paris Photo-Aperture de Fotolivros e foi citado em dezenas de listas de melhores fotolivros do ano promovidas por grandes veículos da imprensa, tais como New York Times, The Guardian e Time.
4. PAIVA, 2018, p. 18.
5. Descrição da publicação no site da editora Fotô Editorial. Disponível em: < https://www.fotoeditorial.com/produto/nimbus-elaine-pessoa/>. Acesso em 14 mai 2021.
6. Fala de Fábio Messias na conversa O livro como experiência, com Fábio Messias e Ekaterina Kholmogorova, realizada virtualmente na ocasião do Festival Imaginária, em 25/03/2021. Disponível em: <https://youtu.be/hBKUslPXW2c>. Acesso em 14 mai 2021.
7. LOCKEMANN, 2013.
8. Ibidem.
9. FONTCUBERTA, 2013, p. 109.
10. Fala de Martin Parr em texto descritivo da exposição The Park, realizada no Instituto de Arte Moderna de Brisbane, em 2011. Tradução livre de texto disponível em: <https://ima.org.au/exhibitions/kohei-yoshiyuki-the-park/>. Acesso em 10 jan 2021.
11. Disponível em: <www.revistazum.com.br/radar/fotolivro-centro>. Acesso em 28 nov de 2019.
12. OGRITO!. Expo de Bárbara Wagner mostra obras de arte em prédios privados do Recife. Disponível em: <https://www.revistaogrito.com/barbara-wagner-edificio-recife/>. Acesso em 22 jan 2021.
13. WAGNER, Bárbara. Edifício Recife, 2013. Disponível em: <https://www.barbarawagner.com.br/Edificio-Recife-Edifice-Recife>. Acesso em 22 jan 2021.
14. Trecho de entrevista com Felipe Abreu realizada pela Revista Zum. Disponível em: <https://revistazum.com.br/radar/folie-a-deux/>. Acesso em 22 jan 2021.
15. ENTLER, 2019.
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REFERÊNCIAS
ABREU, Felipe. Folie à deux. São Paulo: Edição do autor, 2019.
BAHLSEN, Clara. Pferde & autos. Berlim: Edição de autor, 2012.
BURCA, Benjamin; WAGNER, Bárbara. Edifício Recife. São Paulo: Ikrek Edições e Koenig Books, 2018.
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2014.
ENTLER, Ronaldo. Notas sobre o atrito entre o livro e a fotografia. Revista Zum, 2019. Disponível em: <https://revistazum.com.br/colunistas/livro-e-a-fotografia>. Acesso em 22 de janeiro de 2021.
FONTCUBERTA, Joan. A câmera de Pandora: a fotografia depois da fotografia. São Paulo: Gustavo Gili Br, 2013.
HALPERN, Gregory. ZZYZX. Londres: Mack, 2016.
JUSTI, Daniel. Atrito. Belo Horizonte: Editora Bote, 2014.
LALAU, Mario. Tropeço. São Paulo: Fotô Editorial, 2017.
LOCKEMANN, Bettina. A Phenomenological Approach to the Photobook. In: BADGER, Gerry; BATE, David; LOCKEMANN, Bettina; MACK, Michael (Orgs.) Imprint - Visual narratives in books and beyond. Estocolmo: Art and Theory Publishing, 2013, p. 83-127.
PAIVA, Luciana. Frente-verso-vasto: por uma topografia da página. Tese (Doutorado em Artes) - Universidade de Brasília. Brasília, 2018.
PARR, Martin; Badger, Gerry. The photobook: a history. Londres: Phaidon, 2004.
PESSOA, Elaine. Nimbus. São Paulo: Fotô Editorial, 2016.
RUSCHA, Edward. Every building on the Sunset Strip. Los Angeles: Edição de autor, 1966.
RUSCHA, Edward. Then and now: Hollywood Boulevard 1973-2004. Göttingen: Steidl, 2005.
RUSSO, Felipe. Centro. São Paulo: Edição do autor, 2014.
TILLMANS, Wolfgang. Manual. Colônia: Walther Konig Verlag, 2007.
TILLMANS, Wolfgang. The Cars. Colônia: Walther Konig Verlag, 2015.
YOSHIYUKI, Kohei. Document Kouen. Tóquio: Seven Sha, 1980.